Os dados são do Jornal Nacional (BR) e do Jornal das Oito (PT)

Sandra Nodari

O Jornal Nacional (JN) e o Jornal das Oito (J8) são os telejornais mais assistidos no Brasil e em Portugal, respectivamente, sendo exibidos depois das oito da noite, no horário nobre das emissoras de televisão TV Globo e TVI, ambos canais privados de cada país. Ao analisar quantitativamente o tempo de fala das fontes femininas que têm visibilidade nas reportagens, foi possível perceber que as mulheres que atuam na política são as mais ouvidas por jornalistas. Nos dois programas, as falas predominantes são de mulheres brancas, adultas e privilegiadas, consideradas exceção da maioria da população feminina. Estes dados foram alcançados ao aplicar a metodologia comparativa em uma mostra construída (KAYSER, 1974) entre julho de 2018 e dezembro de 2019 nos dois telejornais, em busca de coletar características das mulheres entrevistadas por jornalistas.

Gloria Santalices (2001) conta que Hannah Arendt criticava a categorização de “mulher álibi”: “Essa arrogante ou femme álibi, cúmplice do poder masculino, serve a este para demonstrar, por seu caráter excepcional, que o resto das mulheres deve permanecer onde está e assumir sua condição secundária e submissa” (SANTALICES, 2001, p. 17). Este conceito seria usado para aquelas que encontram seus caminhos em áreas profissionais ou políticas tradicionalmente reservadas para homens, e sem a cooperação deles não teriam sucesso. Porém, ao alcançarem posições de poder, passariam a defender a tese de que as mulheres que não alcançam sucesso são aquelas que se mantêm em suas zonas de conforto ou que não têm vontade suficiente, dedicando-se pouco a ocupar lugares de poder. Outra crítica a mulheres que alcançam posições de poder na sociedade é feita por bell hooks (2020, p. 302), quando afirma que “hoje, o feminismo oferece às mulheres não a libertação, mas o direito de agir como homens-substitutos”.

No telejornal português (J8), a presença dominante nas edições, com maior frequência nas reportagens, tem as características de mulher universal. É branca, adulta, política de profissão ou indicação, e é ouvida para falar do lugar de fala de política, portanto, trata de assuntos relacionados ao poder. É possível identificar principalmente deputadas e ministras que estiveram presentes em diversas edições, até mais de uma vez na mesma edição. No JN, a segunda presença mais visibilizada é a da mulher política, figura que para, esta análise, representa o conceito de mulher universal: branca, com algum poder, conhecimento e privilégios.

As tabelas 1 e 2 permitem visualizar as principais profissões das fontes femininas informadas pelos programas televisivos. Os dados nem sempre estão disponíveis na reportagem, nem na fala da(o) repórter, nem na voz da própria fonte ou nos textos publicados enquanto ela fala. Esses casos aparecem nas tabelas como tendo a profissão “não identificada”. Na maioria das vezes, são mulheres entrevistadas como fala-povo, quando a pessoa é entrevistada para dar sua opinião sobre um assunto, independentemente de sua profissão, situação comum em reportagens sobre temperatura, festas, feiras, eventos etc.

Tabela 1 – Profissão das fontes para o J8 – Portugal

Fonte: autora (2021).

Como foi possível observar no Jornal das Oito, das 274 mulheres entrevistadas para os telejornais, 52 eram políticas, quase metade de todas as falas femininas da mostra analisada. No caso do Jornal Nacional, a maioria das fontes não tiveram as profissões informadas pelas reportagens. Das 179 mulheres entrevistadas, em apenas 70 a informação foi disponibilizada, mas em 109 não foi possível identificar a ocupação. Porém, entre as identificadas, as políticas ficam em primeiro lugar. A tabela a seguir apresenta os dados.

Tabela 2 – Profissão das fontes do JN (dias ordinários)

Fonte: autora (2021).

A ocupação mais representada no J8 foi de mulheres que atuam na política com 42,2%, com maior predomínio de deputadas e ministras de Estado de Portugal.  Enquanto isso, no caso brasileiro, deputadas e senadoras foram representadas com 8,6%. Já no J8, as fontes cujas profissões não puderam ser identificadas chegam a 28,1% do telejornal, quase metade da proporção do JN. No J8, 145 mulheres tiveram as profissões informadas, enquanto em 129 casos não foi possível identificar as ocupações. 

Santalices (2001) e bell hooks (2020), ao chamar a atenção para as “mulheres álibis” ou para aquelas que agem como “homens-substitutos”, fazem provocações à presença de mulheres em posições de poder que deixam de defender a maioria da população feminina que é pobre, sem diploma de ensino superior, e, no caso do Brasil, não é branca. Ao analisar a presença de políticas em posição de destaque, é possível pensar que há diversas outras ocupações de mulheres cuja presença é irrelevante. Os dados demonstram que as privilegiadas conquistam lugar de poder e por isso são fontes. Cabe a jornalistas praticarem a diversidade na escolha das fontes, sem deixar de ouvir as políticas, mas incluindo mais mulheres nas reportagens em geral.

Referências:

HOOKS, Bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e Feminismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.

SANTALICES, Gloria Comesaña. Lectura feminista de algunos textos de Hannah Arendt. 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/27580589_Lectura_feminista_de_algunos_textos_de_Hannah_Arendt/fulltext/03b694f50cf2b716e178a6f9/Lectura-feminista-de-algunos-textos-de-Hannah-Arendt.pdf. Acesso em janeiro de 2021.