Uma breve análise de comentários feitos em páginas de Facebook de portais de notícias brasileiros durante a eleição presidencial de 2018

Rafaela Mazurechen Sinderski, Rangel Ramos e Michele Goulart Massuchin

Em 2020, a recente democracia brasileira completa 35 anos. Desde o fim do regime militar, em vigor entre 1964 e 1985, cinco presidentes da República foram eleitos diretamente, dois deles sofreram impeachment – Fernando Collor de Mello (PRN), em 1992, e Dilma Rousseff (PT), em 2016, ambos substituídos por seus vice-presidentes – e o país vive, atualmente, o mandato de seu 38º representante: Jair Bolsonaro (sem partido), ex-deputado federal, militar reformado e figura de destaque da extrema direita.

Marcado por conflitos e polarizações, o pleito que deu a vitória a Bolsonaro em 2018 inflamou debates sobre valores democráticos. Ainda que Reis (2014) tenha afirmado que, desde o processo de redemocratização, não tem sido tão simples encontrar forças políticas em evidência que encaram o período ditatorial de forma positiva, a trajetória política do ex-parlamentar contém episódios de nostalgia e exaltação pública do regime militar.

Em julho de 2016, por exemplo, Bolsonaro afirmou, durante entrevista à rádio Jovem Pan, que o principal erro da ditadura teria sido torturar e não matar suas vítimas. Meses depois, durante a votação do impeachment de Rousseff na Câmara dos Deputados, dedicou seu voto pela destituição da ex-presidente ao coronel Carlos Aberto Brilhante Ustra, torturador e chefe do DOI-Codi em São Paulo entre 1970 e 1974[1]. Seus discursos ressoaram entre uma parcela da população que já vinha demonstrando pouca confiança nas instituições políticas – aproximadamente sete em cada dez brasileiros declararam, em 2018, não confiar nos partidos ou no Congresso Nacional (DATAFOLHA, 2018a) e 32% acreditavam que o governo militar levou a mais conquistas do que perdas para o país (DATAFOLHA, 2018b).

Nesse contexto, plataformas como o Facebook, com espaço para comentários, permitem o aparecimento de conversações sobre temas políticos, mostrando opiniões e pontos de vista dos cidadãos e servindo, de certa forma, como um termômetro para medir interesses e desinteresses. Assim, os comentários são vistos como espaço para que discursos sobre a ditadura militar brasileira apareçam e se dissipem.

Este texto, com base no contexto apresentado acima, apresenta uma análise introdutória de comentários de Facebook feitos nas páginas de sete portais de notícias do Brasil e que podem demonstrar como o tema perpassa as conversações digitais. São três veículos nacionais – G1, O Globo e Estadão – e quatro paranaenses – Bem Paraná, Gazeta do Povo, Massa News e Paraná Portal. Foram selecionados 7.562 comentários que continham a palavra-chave “ditadura”, encontrados em 1.152 posts publicados nas fanpages supracitadas entre julho e outubro de 2018. A coleta foi realizada pelo grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) da UFPR, com o uso da ferramenta Netvizz.

Os comentários foram submetidos a uma análise de conteúdo automatizada (CERVI, 2019), auxiliada pelo Iramuteq, uma interface de código aberto para o pacote estatístico “R”. Os resultados apontam para a formação de três grupos temáticos, encontrados a partir de uma Classificação Hierárquica Descendente (REINERT, 1990), revelando o teor das conversações sobre ditadura nas páginas selecionadas, dentro do recorte temporal estudado.

Figura 1 – Dendrograma com Classificação Hierárquica Descendente para os comentários sobre ditadura

Fonte: Autores (2020).

Como mostra o dendrograma acima, o maior grupo encontrado, presente em 81,5% dos comentários, menciona a situação política venezuelana, usando termos como “Venezuela”, “ditadura”, “governo” e “apoio”. Esses cenários são encontrados nos seguintes exemplos: “Queremos fechamento das torneiras que financiaram essa ditadura socialista”, publicado na fanpage do G1 em 29 de outubro; e “Esperando o manifesto da ditadura da Venezuela e de Cuba”, comentado em postagem do Estadão, no dia 5 de outubro.

Nessa classe, predominam, portanto, as discussões sobre regimes que não são, necessariamente, o militar brasileiro. Já ao falar sobre o período vivido pelo Brasil entre 1964 e 1985, muitos comentadores do grupo vermelho (figura 1) questionam o uso do termo “ditadura”, negando – ou relativizando –, também, os episódios de tortura e assassinatos. “Mais o professor de história militante comunista, maconheiro disse que foi ditadura!”, ironiza o comentário de 1º de outubro feito no Estadão; e “Onde foi ditadura aqui? Lembro de Governo Militar e eu e minha família estamos vivos”, publicado em 30 de julho no G1.


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O segundo grupo (verde), que surge em 13,2% dos textos, associa palavras como “Lula”, “esquerda”, “monstro”, “mito” e “Maria do Rosário”, mostrando que é uma classe política, moral e episódica. Nela, os comentadores misturam percepções sobre os cenários político e econômico com posicionamentos sobre questões sociais e sobre situações pontuais entre atores políticos – como o conflito entre os então deputados federais Maria do Rosário (PT-RS) e Jair Bolsonaro em 2014, quando ele disse que não a estupraria porque ela “não merecia”[2]: “Mentira que isso é palhaçada ele defende que estuprador pague caro pelo seu ato a maria do rosario defende o estuprador menor o cara foi chamado de estuprador e ele é errado de dar resposta. Se tudo que dissermos for crime isto é ditadura e a imunidade parlamentar onde fica isto.” [sic], diz comentário publicado na página de O Globo em 30 de agosto.

Os exemplos a seguir mostram como os temas sociais e econômicos foram incorporados nas conversações do grupo 2: “Povo ignorante não perceberem ainda que a previdência tá quebrada e isso querendo ou não vai prejudicar gerações futuras. Vao lá reclama com Lula e Dilma que usaram o dinheiro pra financia ditaduras” [sic], publicado em 30 de outubro na Gazeta do Povo; e “Amoedo: Apoio ao aborto Apoio a ditadura Gay Apoio aos maconheiros….kkkk” [sic], de 27 de agosto, também na GP.

 Por fim, o último grupo (azul) cobre 5,3% do corpus e articula termos como “Bolsonaro”, “Trump”, “populista” e “xenofóbico”. Nesse grupo, as conversas são, majoritariamente, sobre eleições e lideranças, tratando, em especial, da aproximação entre Bolsonaro e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “O Trump ligou pessoalmente ontem para o Bolsonaro para parabenizá-lo. Acredito que possa ser um bom começo. O Brasil precisa de alianças com países desenvolvidos, não com ditauras comunistas como fez o PT, que só servem para mamar dinheiro do BNDES…”, feito em 29 de outubro no G1.

Considerando os resultados obtidos nesta análise, percebe-se que, ao falar sobre ditadura, os comentadores das fanpages de portais de notícias brasileiros preferiram, de maneira geral, comparar a situação do país – falando, principalmente, sobre governos e partidos de esquerda – com as conjunturas apresentadas por vizinhos latino-americanos como a Venezuela. Discutir o regime militar no Brasil não foi uma prioridade. Mas, ainda que este apareça, os exemplos já mostraram alguns indícios de apoio, o que vai ao encontro do contexto apresentado na parte introdutória do texto. Pesquisas futuras irão analisar essas conversações de forma mais aprofundada, buscando por argumentações sobre a ditadura militar brasileira e traços de radicalização em seus conteúdos.


[1] Disponível em: < https://veja.abril.com.br/politica/doze-vezes-em-que-bolsonaro-e-seus-filhos-exaltaram-e-acenaram-a-ditadura/>. Acesso em: 16 mar. 2020.

[2] Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1559815-para-rebater-deputada-bolsonaro-diz-que-nao-a-estupraria.shtml>. Acesso em: 18 mar. 2020.

Referências

CERVI, E. U. Análise de Conteúdo aplicada a Redes Sociais Online. In E. U. Cervi. Manual de Métodos Quantitativos para iniciantes em Ciência Política (vol. 2). Curitiba: CPOP, 2019, p. 101-128.

DATAFOLHA. Grau de confiança nas instituições. 2018a. Disponível em: < http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2018/06/15/e262facbdfa832a4b9d2d92594ba36eeci.pdf>. Acesso em: 16 out. 2019.

DATAFOLHA. Eleições 2018. 2018b. Disponível em: < http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2018/10/19/8122272378b5bef5e4f32acc831fdb01DEM.pdf>. Acesso em: 16 out. 2019.

REINERT, M. Alceste, une méthodologie d’analyse des données textuelles et une application: Aurelia de Gerard de Nerval. Bulletin de Methodologie Sociologique, n. 26, p. 24-54, 1990.

REIS, D. A. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014.