Uma análise de 147 boatos verificados pelo Projeto Comprova

Renan Colombo

As eleições presidenciais brasileiras de 2018 ocorreram em ambiente informativo caracterizado por alta circulação de boatos, entendidos como “testemunhos genuínos sem confirmação oficial, cuja fonte original foi perdida ou nunca existiu” (MÜLLER, 2016) e como parte integrante da cadeia de desinformação (SERVA, 2001). Tal fenômeno já havia se manifestado em eleições precedentes, em especial a americana de 2016, vencida por Donald Trump (ALLCOTT E GENTZKOW, 2017).

Este comentário analisa a proporção entre confirmação e refutação de 147 boatos verificados no período eleitoral pelo Projeto Comprova, trabalho colaborativo de 24 veículos brasileiros de informação para checar fatos no ciclo eleitoral, entre agosto e outubro de 2018.

O Projeto é uma ação de desmascaramento ou debunking (MANTZARLIS, 2017), técnica de checagem de fatos voltada à verificação de boatos virais. O objetivo autodeclarado do Comprova foi “identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que vemos surgir ao redor do mundo” (COMPROVA, 2019). Os dados descritos a seguir foram extraídos do artigo “A circulação de notícias falsas nas eleições presidenciais brasileiras de 2018”, publicado no e-book Jornalismo e Estudos Mediáticos: Memória II (SOUZA, 2019).

Ao longo dos 84 dias de checagem, os veículos participantes do Projeto Comprova verificaram 147 boatos, a partir de 15 pareceres, que podiam se combinar em uma mesma checagem. Cinco atestam legitimidade: Evidência comprovada, Fato legítimo, Imagem legítima, Localização verificada, Evento legítimo/verificado. Dez atestam ilegitimidade: Sátira, Contexto errado, Evidência insuficiente, Fonte não confiável, Indícios contraditórios, Sem comprovação, Imagem ilegítima, Enganoso, Falso, e Manipulado digitalmente.

A partir do agrupamento entre os 15 tipos de parecer, criamos três categorias de análise: confirmado, quando o boato se mostra legítimo; parcialmente refutado, quando o boato se mostra ilegítimo, embora tenha recebido pelo menos um parecer de legitimidade; e integralmente refutado, quando o boato se mostra ilegítimo, sem que tenha recebido nenhum parecer de legitimidade.


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Um total de 5,4% dos boatos foram diagnosticados como confirmados (n=8/147) e 94,6% como refutados (n=139/147), seja parcial ou integralmente. Entre os 139 refutados, 2,8% receberam parecer de Sátira (n=4/139), sendo, portanto, intencionalmente ilegítimos e, por isso, retratados em uma quarta categoria.

Quanto aos 135 restantes, está um conjunto de 7 boatos refutados, mas de forma parcial, pois receberam ao menos um parecer legítimo, pelos seguintes critérios: imagem legítima (5), evidência comprovada (1) e localização verificada (1). São unidades informativas, portanto, que combinavam elementos legítimos e ilegítimos. Tome-se como exemplo a checagem “Manifestação pró-Bolsonaro em Israel é real, mas pega carona em celebração judaica”, feita em 1º de outubro, que recebeu status de “Evidência comprovada”, mas que teve o falseamento diagnosticado por também receber parecer “Enganoso”. Trata-se de um vídeo que retrata uma manifestação apoio a Bolsonaro em Jerusalém, mas que afirma haver “multidão”, sem, no entanto, comprovar tal afirmativa.

Fonte: autor (2019).

Os dados mostram, portanto, predominância de boatos ilegítimos, reforçando o caráter malicioso e o pontencial danosos desse tipo de informação circulando no período eleitoral.

Em relação aos Pareceres dos boatos, a maior parte foi classificada como Falso, com 54,0% casos (n=75/139). A categoria corresponde, de maneira geral, a informações inverídicas. Exemplo de informação integralmente incorreta é o desmentido “É falsa a inscrição preconceituosa sobre nordestinos em camisa de filho de Bolsonaro”, publicado em 10/10/2018. A informação consiste de uma foto de Flávio Bolsonaro que foi manipulada para inserir, na camiseta que ele veste, a inscrição “Movimento nordestinos voltem para casa. O Rio não é lugar para jegue”. Trata-se de uma imagem manipulada digitalmente, que circulou por Facebook e WhatsApp. O desmentido foi publicado por Folha de S. Paulo e Piauí e esclarece que não havia qualquer inscrição na camiseta do candidato, que era lisa.

Também foi elevado o número de notícias classificadas como Enganoso, com 42,4% dos casos (n=59/139). A categoria Enganoso designa a fatos interpretados de forma habitualmente maliciosa.

Houve, ainda, 13,7% notícias que receberam parecer de Alterado Digitalmente (n=19/139); ou seja: material submetido a manipulação, principalmente por meio de adulteração de fotos. O Projeto Comprova também identificou 10,8% de casos de Contexto Errado (n=15/139), em que um fato é apresentado fora das circunstâncias em que efetivamente ocorreu, de modo a sugerir interpretação tendenciosa.

Fonte: autor (2019).

Como se vê, há múltiplas estratégias empregadas na criação de boatos eleitorais e há volume significativo de boatos partindo de informações com algum teor de veracidade, para, aplicada uma interpretação distorcida, induzir o público a um julgamento errôneo dos fatos, o que torna ainda difícil o reconhecimento imeadiato de uma mentira eleitoral.

Referências

ALLCOTT, H., GENTZKOW, M. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, p. 211-236, 2017.

COMPROVA. Jornalismo colaborativo contra a desinformação. 2019. Disponível em: https://projetocomprova.com.br/about/faqs. Acesso em 19 mar. 2019.

MANTZARLIS, A. Is that actually true? Combining fact-checking and verification for #GE17. 2017. Disponível em: https://firstdraftnews.org/fullfact-ge17. Acesso em 19 mar. 2019.

MÜLLER, F. M. Definindo boato. Veritas, v. 61, n. 2, p. 425-436, 2016.

SERVA, L. Jornalismo e desinformação. São Paulo: Editora SENAC, 2001.

SOUSA, J. P. (Org.). Jornalismo e Estudos Mediáticos: Memória II [eBook]. Porto: Publicações Universidade Fernando Pessoa, 2019.