Uma relação entre as proposições apresentadas e os episódios de violência juvenil nos últimos dezenove anos

Rafaela Mazurechen Sinderski

Este post apresenta uma relação de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) para a redução da maioridade penal apresentadas na Câmara dos Deputados nos últimos dezenove anos. Os números obtidos são discutidos dentro de um contexto que leva em consideração episódios notórios de violência envolvendo jovens em conflito com a lei, já que, para diversos autores (SILVA E GUERESI, 2003; PIMENTEL, 2015; SILVA E OLIVEIRA, 2015; DIAS, 2017;  BUDÓ ET AL, 2018), é a exposição de casos pontuais ligados a transgressões praticadas por crianças e adolescentes que estimula debates sobre o assunto. Esses casos também contribuiriam para a formação de um clima propício para a defesa, pelos parlamentares brasileiros, de pautas ligadas à alteração no limite para a penalização (CAMPOS, 2009).

A possibilidade de mudança da idade penal vem sendo debatida no Congresso Nacional há cerca de três décadas. As primeiras PECs com esse fim apareceram já em 1989, um ano após a promulgação da Constituição Cidadã, que prevê, em seu artigo 228, a inimputabilidade de jovens menores de 18 anos (BRASIL, 1988). Mas pode-se dizer que a questão vem sendo discutida com mais fôlego a partir do início dos anos 2000, ganhando não apenas o Congresso e seus integrantes, mas também a sociedade brasileira e os meios de comunicação devido, em especial, a episódios violentos envolvendo adolescentes autores de infrações.

Dentro desse espaço temporal, o primeiro caso a conquistar notoriedade foi o assassinato do casal Liana Friedenbach e Felipe Caffé em novembro de 2003. O crime, cometido por quatro homens adultos e um adolescente de 16 anos, conhecido como “Champinha”, gerou comoção nacional, grande repercussão midiática e movimentou o debate sobre a mudança no limite de penalização (BUDÓ, 2013; DIAS, 2017; BUDÓ E CAPPI, 2018). Quatro anos depois, em janeiro de 2007, o menino João Hélio, de seis anos, morreu ao ser arrastado pelo asfalto durante o roubo de um carro no Rio de Janeiro. O ato foi realizado por um grupo de quatro adultos e um jovem de 16 anos e também ganhou as páginas dos jornais (BUDÓ, 2013).

Como se vê no gráfico abaixo, os dois anos – mais 2004, período em que o caso Friedenbach e Caffé ainda repercutia – representam picos na apresentação de propostas de redução.

As últimas propostas feitas na casa parlamentar datam de 2015, ano em que a PEC 171/1993 conseguiu a aprovação nos dois turnos da Câmara, passando para o Senado Federal com um texto que prevê a redução da idade penal para os 16 anos em caso de crimes considerados hediondos.

Além de 2003, 2004 e 2007, um ano que contém alto número de PECs é 2013: em abril desse mesmo ano, um estudante foi assassinado com um tiro na cabeça em frente ao prédio onde morava, em São Paulo. O caso foi noticiado como análogo a latrocínio, cometido por um adolescente de 17 anos[1].


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Pode-se dizer que, ao menos nos últimos dezenove anos, o pico de apresentações de PECs voltadas para a redução da maioridade penal coincidiu com episódios violentos envolvendo adolescentes em conflito com a lei. Uma exceção, contudo, pode ser encontrada no ano de 2015. Com apenas uma proposta de redução, o período contou com dois casos de violência envolvendo adolescentes. O primeiro, ocorrido no mês de maio, é o ato infracional análogo a roubo seguido morte que vitimou o médico Jaime Gold, que andava de bicicleta pela zona sul do Rio de Janeiro quando foi abordado e ferido por dois adolescentes portando facas. O segundo, também de maio, diz respeito às agressões sofridas por quatro meninas no interior do Piauí. As jovens foram estupradas e arremessadas do alto de um penhasco por quatro adolescentes e um adulto de 40 anos.

Porém, ainda que 2015 não possua uma grande quantidade de PECs apresentadas, é, como já dito, o ano de aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 171/1993, com 320 votos a favor e 152 contra. Então, mesmo que se mostre como um “ponto fora da curva” na contagem das propostas, o ano também está relacionado a um movimento em prol da mudança dentro da Câmara dos Deputados. Esse movimento, segundo Budó e colegas (2018), foi fortemente marcado por conflitos entre a gestão, já enfraquecida, de Dilma Rousseff (PT), contra a redução, e o então presidente da casa, Eduardo Cunha (MDB-RJ), favorável à medida.


[1] Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/latrocinio-cometido-por-menor-reacende-debate-sobre-maioridade-penal>. Acesso em 23 ago. 2019.

Referências

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federal do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição nº 171, de 1993. Disponível em: <https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14493>. Acesso em: 29 mar. 2019.

BUDÓ, M. N. Mídias e discursos do poder: a legitimação discursiva do encarceramento de adolescentes pobres no Brasil. 2013. 541 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, 2013.

BUDÓ, M. N.; CAPPI, R. Punir os jovens: a centralidade do castigo nos discursos midiáticos e parlamentares sobre o ato infracional. Belo Horizonte: Letramento, 2018.

BUDÓ, M. N. et al, A legitimação do controle do outro: adolescentes e ato infracional nos periódicos jornalísticos Veja, O Globo e Folha de S. Paulo. In: BUDÓ, M. N.; CAPPI, R. Punir os jovens: a centralidade do castigo nos discursos midiáticos e parlamentares sobre o ato infracional. Belo Horizonte: Letramento, p. 97-180, 2018.

CAMPOS, M. S. Mídia e Política: a construção da agenda nas propostas de redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. Opinião Pública, v. 15 n. 2, nov. 2009.

DIAS, M. N. B. M. Maioridade Penal em pauta: medo e punição na imprensa. 2017. 143 f. Dissertação (Mestrado em Mídia e Cotidiano) – Instituto de Arte e Comunicação,  Universidade Federal Fluminense, 2017.

PIMENTEL, G. H. O papel das emoções na deliberação: o debate sobre a redução da maioridade penal no Brasil. 2015. 144 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.

SILVA, E. R. A.; GUERESI, S. Adolescentes em conflito com a lei: situação do atendimento institucional no Brasil (Texto para discussão, 979). Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2003.

SILVA, E.; OLIVEIRA, R. O Adolescente em conflito com a lei e o debate sobre a redução da maioridade penal: esclarecimentos necessários. 2015. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5696/1/NT_n20_Adolescente-conflito_Disoc_2015-jun.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2019.