Uma breve análise do caso brasileiro a partir do banco de dados do LAPOP

Naiara S. de A. Alcântara
Alice Walter

As pesquisas sobre tolerância política demonstram alto nível de adesão dos cidadãos aos valores democráticos, contudo, quando os indivíduos são questionados sobre sua tolerância a grupos específicos, como comunistas, socialistas e ateus, as respostas tendem a apresentar níveis maiores de intolerância. Os grupos citados foram considerados como principais alvos de intolerância na década de 1950. Décadas depois, os níveis de intolerância política mudaram, diminuindo em relação a determinados grupos, mas aumentando em relação a outros, como os homossexuais (GIBSON, 2008; STOUFFER, 1950; GRIGG, 1960; MCCLOSKY, 1964; SULLIVAN et al. 1982).

Acredita-se que a religião seja um forte condicionante do comportamento social, por isso pode ser que também influencie no ato de tolerar social e politicamente indivíduos ou grupos considerados objetáveis. A literatura já aponta uma relação entre a frequência em cultos e templos religiosos e a participação política do cidadão comum (PETERSON, 1992; VERBA, SCLOZMAN e BRADY, 1995; PUTMAN, 1993; 2000). Os resultados da pesquisa empreendida por Ribeiro e Walter (2017), por exemplo, demonstram que, para o caso brasileiro, o ativismo religioso influencia a participação política mais ativa, sendo que os católicos seriam mais propícios a se engajarem em modalidades políticas convencionais e tradicionais. Um dos possíveis motivadores de tal participação política, que levaria os fiéis a saírem de suas zonas de conforto, seria o sentimento de ameaça à família tradicional, resultante de iniciativas de grupos pró-aborto e a favor do casamento homoafetivo. Apesar da importância de tais achados, pouco se fala sobre a relação entre intolerância política e o ativismo religioso no Brasil.

Diante disso, pretende-se verificar se no Brasil o nível de intolerância em relação aos homossexuais, um dos grupos que se tornou alvo de intolerância nas últimas décadas, permanece inalterada com os anos, e se a frequência da participação religiosa tem resultado significante no ato de tolerar. Para tanto, será feita uma análise do banco de dados do Latin American Public Opinion Project (LAPOP) (2007, 2014), para verificar se há variação da tolerância no lapso temporal de sete anos. Como variável dependente será utilizada a V que está relacionada à tolerância política: “(…) o quanto o sr./sra. aprova ou desaprova que estas pessoas possam candidatar-se para cargos públicos?” e como V independente há a frequência com que o indivíduo assiste a reuniões de cunho religioso.

Gráfico 1 – Análise da tolerância política em relação aos homossexuais se candidatarem a cargos públicos em 2007 e 2014

Fonte: Autoras, a partir dos bancos de dados do LAPOP (2007, 2014).

O gráfico 1 demonstra que, ao observar apenas as análises descritivas do banco de dados do LAPOP referentes aos anos de 2007 e 2014, houve um aumento da tolerância política em relação aos homossexuais; além disso, menos pessoas foram classificadas com posicionamento neutro. Salienta-se que, inicialmente, V dependente era organizada em uma escala de 10 pontos. Para a criação do gráfico, criou-se uma nova V com três pontos, sendo 1 a 4 desaprova, dois pontos neutros e 6 a 10 aprova.

Para testar a religiosidade como variável interveniente, utilizou-se o teste de Tukey. Inicialmente, porém, foi realizado um teste de significância que demonstrou a relação altamente significativa entre as V dependente e a independente. Ao analisar a V dependente, verificou-se que, para 2007, a frequência da participação em reuniões de cunho religioso era significante, pois a tabela se subdivide em dois níveis. Sendo que no primeiro nível estão as menores médias, que são atribuídas aos que mais frequentam. Já a média maior e que está acima de 6 são as médias referentes aos indivíduos mais tolerantes, pois aprovam mais.


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Tabela 2- Teste de significância entre V dependente V independente (2007)

Fonte: Autoras (2019), a partir dos bancos de dados do LAPOP (2007).

Já o teste de Tukey com os dados de 2014, utilizando as mesmas variáveis dependente e independente, demonstra um resultado muito diferente, pois apesar de a média mais alta ser referente ao indivíduo que frequenta menos reuniões de cunho religioso, todas as médias são superiores a 6 e a tabela formou apenas um nível, demonstrando baixa significância.

Tabela 3- Teste de significância entre V dependente e a V independente (2014)

Fonte: Autoras (2019), a partir dos bancos de dados do LAPOP (2014).

Ao verificar a relação entre a V dependente e a independente, infere-se que havia significância, pois em 2007 a religião agia como um proponente mais influenciador do que no ano de 2014.  Mas em ambos os anos os indivíduos que menos vão à igreja são mais tolerantes. Em 2007, havia mais pessoas intolerantes aos direitos dos homossexuais se candidatarem a cargos públicos do que em 2014. Isto é, os brasileiros se tornaram mais tolerantes aos homossexuais após sete anos, e a influência da frequência religiosa é uma variável explicativa, mas tem tido menos força com o passar dos anos.

Referências:

GIBSON, J. L. Enigmas of Intolerance: Fifty Years after Stouffer’s Communism, Conformity, and Civil Liberties. Perspectives on Politics. Vol. 4, N.1, 2006

_____. Intolerance and Political Repression in the United States: A Half Century after McCarthyism. American Journal of Political Science, Vol. 52, No. 1, 2008, p. 96–108

PETERSON, S. A. Church participation and political participation: the spillover effect. American Politics Quarterly, 20 (1), p. 123-139, jan. 1992.

PUTNAM, R. Bowling alone: the collapse and revival of American community. New York: Simon & Schuster, 2000.

PUTNAM, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1993.

SULLIVAN, J. L., PIERESON, J., MARCUS G. E. Political Tolerance and American Democracy. Londor: University of Chicago Press, 1982.

RIBEIRO, E. A.; WALTER, A. V. N. P., Religião e Participação política: instituições religiosas e o desenvolvimento de habilidades cívicas. Porto Alegre: Debates, V.11, n. 1, p.137-159, jan. – abr., 2017. 

VERBA, S.; SCHLOZMAN, K. L.; BRADY, H. E. Voice and equality: civic volunteerism in American Politics. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1995.