Um estudo empírico sobre a cobertura do segundo turno da eleição presidencial de 2018

Deivison Santos

No mês de julho foi publicado, neste site, uma breve discussão sobre as características que distinguem o conteúdo opinativo e noticioso das instituições jornalísticas. Dando continuidade a essa questão, o presente comentário [1] apresenta alguns dados empíricos que são resultados da pesquisa que gerou a referida publicação. O objetivo do texto, portanto, é proporcionar informações sobre as agendas privilegiadas pelos jornais O Estado de S. Paulo (OESP), Folha de S. Paulo (FSP)e O Globo (OG) em seus editoriais e em suas reportagens de capa durante o segundo turno da eleição presidencial de 2018. Mais especificamente, pretende-se discutir se, e em que medida, há sintonia entre as agendas opinativa e noticiosa dos periódicos. 

Retomando a discussão sobre as diferenças entre os gêneros citados, vale destacar, novamente, alguns pontos relevantes. Em primeiro lugar, os editoriais dos jornais são os espaços por excelência onde as empresas podem destacar suas opiniões sobre temas em debate na esfera pública, ao mesmo tempo em que podem realçar assuntos ainda não discutidos com a sociedade (EILDERS, 1999). Por sua vez, as notícias não seguem necessariamente os mesmos critérios das seções opinativas. O conteúdo noticioso, tendo em vista uma visão normativa do jornalismo comercial, deve seguir parâmetros associados aos critérios de noticiabilidade e aos news values, dedicando atenção a abordagens objetivas e isentas de qualquer influência particular dos jornalistas responsáveis pela sua produção (MONT’ALVERNE; MARQUES, 2019). Ou seja, os editoriais representam as opiniões das empresas, enquanto agentes detentores de posições e objetivos específicos (PAGE, 1996). Já as notícias são um produto diferenciado oferecido pelas instituições caracterizado por uma rotina produtiva peculiar e que, desde meados do século XIX, tem-se em mente que deve proporcionar informação factual e objetiva (SCHUDSON, 2001). A separação, inclusive espacial, entre a produção opinativa e noticiosa dos jornais, então, trata-se de aspecto elementar do jornalismo comercial profissionalizado (MONT’ALVERNE; MARQUES, 2019).

Nesse sentido, pesquisas têm buscado investigar se a independência entre as duas seções – dada as particularidades de cada uma – é, de fato, garantida pelas empresas jornalísticas, ou se os jornais apresentam convergências em suas agendas e coberturas (KHAN; KENNEY, 2002). Parte-se do fato de que, nas democracias modernas, mais do que uma fonte de informações, o Jornalismo é um ator político capaz de influenciar as atitudes e decisões de outros agentes, além de poder atuar como variável interveniente no processo de distribuição do poder (THENSEN, 2017).

Khan e Kenney (2002) demonstram, empiricamente, a interferência dos posicionamentos editoriais de jornais locais estadunidenses na cobertura noticiosa dos periódicos, a partir de estudo sobre as eleições para o senado norte-americano. Os autores acentuam a cobertura favorável oferecida a candidatos apoiados pelos jornais em seus editoriais, assim como a influência de tal aspecto nas preferencias políticas dos leitores das publicações. A partir disso, é possível indagar se, e em que medida, fenômeno similar acontece no caso brasileiro. 


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Através da coleta e seleção de 144 matérias jornalísticas (80 editoriais e 64 reportagens de capa) que mencionaram “Haddad” ou “Bolsonaro” no segundo turno de 2018 – e da adoção de Análise de Conteúdo –, apresenta-se os temas privilegiados nas seções de três jornais de abrangência nacional (Quadro 1), bem como as proximidades do conteúdo publicado em cada gênero das instituições (Gráfico 1).

Os resultados indicam que não houve convergência significativa entre as agendas dos periódicos. Mesmo havendo maior proximidade entre as produções de FSP e OG os achados não permitem afirmar que os jornais evidenciaram os mesmos temas em suas publicações. OESP privilegiou, em seus editoriais, assuntos que circundam questões associadas as estratégias de campanha dos concorrentes. Já em suas notícias, temas ligados à composição do novo governo e à Reforma da Previdência receberam destaque.

Por sua vez, FSP discutiu, em suas peças opinativas, questões relacionadas às declarações polêmicas e conflitos envolvendo os candidatos, enquanto assuntos associados a irregularidade nas campanhas receberam destaque pelo jornal em sua produção noticiosa.

OG também privilegiou, em seus editoriais, temas sobre declarações e conflitos ao longo do segundo turno. No caso das notícias, o periódico evidenciou, sobretudo, assuntos concernentes às medidas econômicas propostas pelos políticos em disputa.

Futuras pesquisas podem comparar diferentes eleições e aprofundar os estudos sobre a possibilidade de haver interações entre os gêneros jornalísticos, considerando a atuação dos jornais enquanto instituições interessadas em participar do jogo político.


[1] O comentário se trata de um recorte de pesquisa mais ampla sobre a cobertura eleitoral de 2018 pelos jornais OESP, FSP e O Globo. O estudo será apresentado no 17° Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo e foi realizado em parceria com o Prof. Dr. Francisco Paulo Jamil Marques e com a doutoranda Giulia Sbaraini Fontes, pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE) do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR. 

Referências

EILDERS, C. Synchronization of issue agendas in News and editorials of the prestige press in Germany. The International Journal of Communications Research, v. 24, n. 3, 1999.

KAHN, K. F.; KENNEY, P. J. The Slant of the News: How Editorial Endorsements Influence Campaign Coverage and Citizens’ Views of Candidates. American Political Science Review, v. 96, n. 2, 2002.

MONT’ALVERNE, C.; MARQUES, F. P. J. News Production Routines. In: VOS, T. P.; HANUSCH, F. (Eds). The International Encyclopedia of Journalism Studies, New Jersey: John Wiley & Sons, 2019.

SCHUDSON, M. The objectivity norm in American Journalism. Journalism, v. 2, n. 2, 2001.

PAGE, B. I. The Mass Media as Political Actors. Political Science & Politics,v. 29, n. 1, 1996.

THESEN, G. An intervening intermediary: making political sense of media influence. In: VAN AELST, P.; WALGRAVE, S. How political actors use the media: a functional analysis of the media’s role in politics. Antuérpia: Palgrave MacMillan, 2017.