Um olhar para os compartilhamentos sobre o assunto na página de Jair Bolsonaro

Inaiara Ferreira

A discussão sobre os significados de fake news é extensa. Segundo os autores Delmazo e Valente (2018), as fake news são criadas tanto com a intenção de comprovar pontos de vista pessoais com base em evidências como para ganhar cliques e gerar renda a partir de publicidade. Já Allcott e Gentzkow (2017) dividem-nas em seis tipos: (1) erros não intencionais em matérias publicadas; (2) rumores originados por reportagem não especificada; (3) teorias da conspiração; (4) sátiras; (5) declarações falsas de políticos e (6) alegações que são de difícil compreensão ou que induzem o espectador ao erro.

Muitos autores têm problematizado o uso dessa expressão, por a considerarem muito ampla e imprecisa. Por isso é possível encontrar na literatura outros termos para identificar o fenômeno, como desinformação e pós-verdade. Mas seja qual for o termo utilizado, o fato é que tanto a mídia tradicional, políticos e pesquisadores têm cada vez mais se debruçado sobre esse debate, considerado-o urgente.

No final de outubro de 2018, a agência de fact-checking brasileira Aos Fatos, publicou uma lista[1] com os 15 boatos mais compartilhados durante o período eleitoral. A segunda notícia falsa mais compartilhada, com mais de 400 mil compartilhamentos, foi sobre Fernando Haddad (PT) ter criado o “kit gay” para crianças de seis anos. Navegando em outros sites que fizeram fact-checking nesse período, é possível encontrar não só esse mas também outros boatos acerca do mesmo tema. Além de acusarem Haddad de ter criado o “kit gay”, em outros boatos também o acusam de incentivar a pedofilia e o incesto. O “kit gay”, nesses boatos, teria a função de sexualizar as crianças precocemente e ensinar a elas a “ideologia de gênero”.

O assunto foi tão comentado que o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Horbach, ordenou[2] que fossem retirados do ar materiais publicados pelo então candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) dizendo que o livro “Aparelho Sexual e Cia.” foi distribuído nas escolas públicas durante a permanência de Haddad no Ministério da Educação[3]. A partir da publicação desse documento, alguns meios de comunicação[4] noticiaram que o ministro proibiu que a expressão “kit gay” fosse utilizada porque o material nunca existiu. Na verdade, o ministro solicitou que seis postagens específicas fossem retiradas das redes, mas permitiu que continuassem sendo veiculados outros conteúdos relacionados a esse assunto. O receio do TSE, segundo o documento, era de censurar o candidato e impedir a liberdade de expressão. De qualquer forma, é inegável que muitas das informações disseminadas nas redes em relação ao assunto eram falsas, para além de qualquer posicionamento ideológico.


Leia também:

Jornalismo: entre a notícia e a opinião

Eleições 2016: houve diálogo entre candidatos e eleitores no Facebook?


Para medir a dimensão da proliferação dos boatos relacionados ao tema, foi feito um estudo exploratório de postagens de Facebook publicadas por candidatos à Presidência da República, por seus respectivos partidos políticos, além de alguns movimentos sociais e portais de notícias no período de março de 2018 a outubro de 2018, ou seja, durante o período eleitoral e pré-campanha. A coleta foi feita pelo grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) por meio do aplicativo Netvizz.

Foram pesquisadas palavras chaves que tivessem relação com o assunto das fake news mais compartilhadas durante as eleições e que giravam em torno do “kit gay”, ou seja, as que ligavam Fernando Haddad à criação e distribuição do material, ou as que diziam que o livro “Educação Sexual e Cia.” era parte desse mesmo “kit gay”. Nessa análise, o número de postagens encontradas foi de dez no total, dentro de um universo de 10.340. Seis postagens são da página de Jair Bolsonaro, três do PSL e uma do Movimento Brasil Livre (MBL). As publicações feitas na fanpage do atual presidente podem ser vistas no quadro abaixo.

Quadro 1 – Postagens e percentis de comparilhamento na fanpage de Jair Bolsonaro

Data . Percentil
(Compartilhamento) .
Conteúdo das postagens
(página do então candidato
Jair Bolsonaro)
29/8 99Um dos livros que ensinam sexo
para crianças nas escolas que a
Globo não quis mostrar!
9/10 96Ontem o pau mandado do
corrupto preso e pai do kit-gay
propôs combate às notícias falsas
hoje espalha mentiras
descaradas a meu respeito. O PT é
o partido da demagogia!
Manteremos o Bolsa Família e
combateremos as fraudes para
possibilitar o aumento.
30/8 91Jornal O Globo de hoje 30/08/2018
diz que informação sobre livro de
sexo para crianças nas escolas é
FALSA.
– Veja como fazem para mais uma
vez tentar desqualificar quem não
lhes interessa! Segue a VERDADE!
24/9 54EDUCAÇÃO: – Secretário de
Educação Continuada Alfabetização
e Diversidade (Secad/MEC) André
Lázaro foi empossado em 2007 pelo
então ministro da Educação
Fernando Haddad. – Assista o que
ele falou como conteúdo
programático via filmetes a serem
mostrados para crianças nas escolas
públicas sob aplausos do então
deputado federal Chico Alencar
(PSOL) e hoje candidato a senador
no RJ. – Junto com outros
parlamentares principalmente da
bancada evangélica conseguimos
barrar inicialmente esta proposta
que infelizmente continua sendo
aplicada de outras maneiras sob a
mesma orientação do órgão. – Com
um chefe do Executivo
comprometido conseguiremos
mudar os rumos da falida educação
brasileira.
Link no youtube:
https://youtu.be/1pYeuT6uP1I
1/8 32O Brasil ocupa posição vergonhosa
no Ranking Internacional de
Educação. Pude ver de perto o
modelo educacional da Coreia do
Sul por exemplo hoje um dos
melhores. Enquanto lá estimulam o
raciocínio lógico nos mais jovens
aqui priorizam sexo e ideologias.
Não tem como dar certo!
30/8 8EDUCAÇÃO: – Muitos da
imprensa mentem manipulam
cospem na sua cara e te chamam
de idiota mas a verdade aparece.
Trechos de um dos filmes pagos
com MILHÕES DE SEU DINHEIRO
estes elaborados por grupos de
ATIVISTA$ LGBT que seriam
passados nas ESCOLAS e foi
barrado pelo trabalho de
parlamentares no Congresso
Nacional principalmente
componentes da bancada
evangélica. – Infelizmente esta
prioridade ainda continua
sendo aplicada pelo MEC devido
a isso seguida por muitos estados
e municípios com o único objetivo
de formar militantes políticos
e não mais cidadãos preparados
para o mercado de trabalho.
– Estas diretrizes têm que acabar.
Link no youtube:
https://youtu.be/SJsGN69NGug

Fonte: autora (2019).

É possível perceber que os posts relacionados ao tema do “kit gay” costumam ser muito compartilhados. Como se vê nas três primeiras postagens do quadro, são mais compartilhadas do que 99%, 96% e 91% das demais publicações de Bolsonaro. Além disso, considerando todas as 10.340 postagens do período analisado, os três posts ficam entre os 10% mais compartilhados. Conclui-se, portanto, que o tema  do “kit gay” é um dos que mais chama a atenção dos usuários.


[1] Disponível em: <https://bit.ly/2ULY53K>. Acesso em: 19 ago. 2019.

[2] Disponível em: <https://bit.ly/2OrhlEi>. Acesso em: 24 ago. 2019.

[3] Disponível em: <https://bit.ly/2yI30Zn>. Acesso em: 19 ago. 2019.

[4] Disponível em: <https://bit.ly/2pUOLMA>, <https://bit.ly/2EpLaQJ> e <https://bit.ly/2Oq8Mt8>. Acesso em: 19 ago. 2019.

Referências

ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic Perspectives, Cambridge, v. 31, n. 2, p. 211-236, jun. 2017. Disponível em: <https://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/jep.31.2.211>. Acesso em: 23 set. 2018.

DELMAZO, Caroline; VALENTE, Jonas. FAKE NEWS NAS REDES SOCIAIS ONLINE:: PROPAGAÇÃO E REAÇÕES À DESINFORMAÇÃO EM BUSCA DE CLIQUES. Media e Jornalismo, Lisboa, v. 18, n. 32, p. 155-169, jan. 2018. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/pdf/mj/v18n32/v18n32a12.pdf>. Acesso em: 23 set. 2018.